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sexta-feira, 4 de junho de 2010

UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA

De: Edyb de Souza
Olhar pregado, qual catarro velho na parede, como a perscrutar seu próprio silencio; o silencio da alma, do corpo. Não se podia distinguir: se um homem, um fantasma ou um mero humanóide, forjado por aqueles que detem o poder. Parecia estar morto para si e para os outros. Durante dez anos de trabalho e dedicação de sacerdote, nunca fora cogitado a ser o “operário padrão”, ou qualquer coisa de enganar caboclo. Decidiu por honrar sua profissão de montador: acordando às quatro da manhã, quer fizesse sol ou chuva. Não se importava quando xingado de estar enriquecendo as multinacionais: tinha mulher e filhos para sustentar, precisava dá duro. Isso aprendeu muito cedo, lá na roça, muito antes de se sentir a necessidade de vir para a cidade, dado a abandono a que foi submetido o interlandino.
Os colegas lhe caçoavam: “lá vai o puxa-saco – tá pensando em ficar rico, otário? Tu é vai levar três sapatos: dois no pé e um na bunda”. Todavia como premio por tal dedicação, ganhara, sim, quatro paredes escorregadias: uma cela regada a mijo lhe sufocando as narinas. O porquê de estar ali, não sabia. Somente um cheiro de amoníaco era uma resposta forjada.
Arriou o corpo, entranhado de fezes e urina, tateando um lugar menos nojento. A cabeça divagava, buscando respostas as suas inquirições. De repente, pensa na possibilidade de sair dali e voltar à sua vidinha humilde de interiorano, onde o sim e o não valiam mais que o acordo firmado diante do juiz, e um fio de barba selava todo um testemunho; isso aprendera com seu velho pai, caboclo honesto e honrado. Tentou erguer o corpo esguio, enfraquecido demais pelo espancamento e tortura que fora submetido para apontar os “cúmplices”.
A um canto escuro e lodocento, mergulhado em pesadelos, estava Nonato Lumbira de tal... operário duma firma qualquer do “distrito industrial”. Lumbira estava ali, injustiçado, pagando por um crime não cometido, vítima daqueles que mantem as mãos sujas e o coração no bolso. Já não pensava na honra lançada na lama, mas em Celina, sua amada, na filha Lamara e no pequeno José, lá na favela do Igarapé do Quarenta. Havia amado intensamente a profissão de montador, profissão que trocara pela arrancador de mandioca e arpoar jacaré de tronqueira. Montava agora aparelhos, naquele casarão bacana do “distrito”, mas só agora sentia que estava sendo montado pelos donos e gerentes das chamadas montadoras, que montam peças e desmontam pessoas. Preso acusado pelo gerente Alciole de estar roubando componetes eletrônicos, tendo outros como comparsas.

O gerente, com o dedo em riste, brada qual um demônio:”sêo delegado, esse é o ladrão perigoso”. Lumbira, no fundo da cela, remoia pensamentos: ”ninguém burla a segurança: havia um detector de metais”. Ele estava de consciência tranqüila. “ E se fosse o gerente o próprio ladrão? Ninguém podia provar. Ele pagaria o pato, e tudo ficaria no mesmo. Lá, diante dos “homens da lei” fora acusado impiedosamente sem a menor chance de se defender. Ele seria o bode expiatório. Tudo silenciava diante dos homens emudecidos pelo dinheiro.


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