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terça-feira, 15 de junho de 2010

UM DIA DE LUMINOSA EXPECTATIVA
Escrito por: Carlos Lima
Editado por Leandro Willian

A manhã iluminada inunda o Alecrim de sons, cores, movimento. No tradicional bairro de Natal está começando mais um dia de muita agitação. Pessoas se dirigindo ao trabalho, outras trabalhando na rua, muitas esperando ônibus ou viajando neles. Por todos os lados a população caminha, ora de forma lenta como se o calor as fizesse vagarosas, ora apressadas buscando seus compromissos. Estudantes, camelôs, vendedores, passantes, se esbarram pelas estreitas calçadas. Carros, ônibus, motocicletas zoam ensurdecedores. Estamos no Alecrim, no centro nervoso do bairro comercial mais popular da cidade.
Um grupo de deficientes visuais caminha pela calçada e isso nos indica que estamos perto do Instituto de Educação e Reabilitação de Cegos do Rio Grande do Norte, mais conhecido pela sigla IERC-RN. Com mais de meio século de existência o IERC-RN tem prestado um importante serviço de assistência e integração social para mais de uma centena de pessoas com deficiência visual na cidade de Natal. Fundado em 16 de julho de 1952 o IERC-RN ergue-se imponente como um abrigo de paz e tranqüilidade numa das principais ruas do movimentado bairro do Alecrim. No seu pórtico uma frase escrita numa placa resume o espírito de agradecimento daqueles que lá trabalham ou estudam. Entrar no IERC-RN é entrar num ambiente de harmonia e solidariedade.
O IERC-RN oferece aos seus alunos diversas atividades desenvolvidas em diferentes oficinas de criatividade, de interação social e esportiva. São disponibilizadas aulas de alfabetização em Braille, informática, teatro, música, e educação física, entre outras. Os alunos das mais diferentes idades são assistidos e orientados na busca de conscientização por uma melhor qualidade de vida.
Uma das oficinas mais procuradas é a de Educação Física. Graduada em Educação Física pela UFRN com especialização em Educação Especial pelo IFMT, a Professora Ana Cláudia coordena a oficina que disponibiliza uma pequena academia com esteiras, bicicletas e outros aparelhos que são bastante utilizados.
Dos mais jovens aos mais idosos a atividade física orientada é uma atividade sempre desejada e cumprida com desvelo e muita vontade. Eventos ao ar livre também são oferecidos como uma complementação lúdica do processo de socialização e combate ao stress.
Entre os eventos que aliam atividade física ao lazer na prática do esporte, sem dúvida, um projeto é ansiosamente esperado, ano após ano, pelos alunos do Instituto. Trata-se do Trekking IERC-RN, neste ano de 2010 em sua quinta versão.
O Trekking é um esporte que se constitui em provas de caminhadas onde se percorre trilhas pré-estabelecidas com o objetivo de integrar os deficientes visuais à convivência com a natureza e à vida saudável. O projeto, que foi criado em 2006, pelo Prof. Pitágoras José Binde do Dep. de Psicologia da UFRN, tem como principal característica a interdisciplinaridade na sua aplicação, haja vista envolver diversos outros Departamentos da Universidade como Nutrição, Educação Física e Comunicação Social. Neste ano os alunos de Comunicação Social, na disciplina Psicologia Social e Comunicação, têm como missão fazer a cobertura do evento para diversos tipos de veículos com a finalidade acadêmica de praticar a sala de redação. A tarefa é avaliativa para obtenção da nota da terceira unidade do semestre. Nesta quinta edição o Trekking IERC-RN contará com os seguintes colaboradores: Academia de Karatê Sttênio Almeida, Clínica Odontológica Dr. Marco Aurélio Azevedo de Oliveira, Grupo de Estudo de Nutrição “Corpo e Alma” e Pedrassoli Viagens e Turismo.
Fomos registrar a expectativa dos alunos que já participaram ou que vão participar pela primeira vez do 5º Trekking IERC-RN. Ao conversar com eles sobre a atividade pudemos perceber que uma alegria invade o espírito de todos. O primeiro a conversar conosco foi o aluno Fernando Antonio Medeiros Bezerra, um jovem de 24 anos que está se alfabetizando em Braille pretendendo futuramente seguir os estudos com o objetivo de se formar em “advocacia, para ajudar a quem precisa, meu sonho é esse”, declara ele com firme convicção. Fernando freqüenta o IERC-RN há 04 anos, segundo ele é a sua “segunda casa”.
Já fez oficinas de arte e de informática, mas na verdade ele é um grande entusiasta da Educação Física que pratica na academia do Instituto nas terças e quintas-feiras.
No ano passado ele participou do Trekking e diz que a experiência foi “boa demais” por diversos motivos, pois conheceu “uma galera muito boa, muita amiga e que nos ajudou muito” declara entusiasmado. Neste ano ele vai participar pela segunda vez e diz que o “coração está batendo ansioso para saber como será a trilha de amanhã” e ao se despedir Fernando salienta que “a galera devia fazer mais esse tipo de atividade” e aconselha a todos que participem.
Na sala da oficina de Artes encontramos um grupo bastante animado fazendo objetos a partir de papel reciclado. A oficina é coordenada pela Professora Heliana Soares, graduada em Artes Visuais pela UFRN e que há 02 anos presta esse serviço ao IERC-RN como professora cedida pelo município de Natal. A alegria das pessoas na sala chama a nossa atenção e solicitamos para entrar e conversar com elas, para saber um pouco daquelas histórias de tanta alegria.
Não pense você, caro leitor, que ao entrar no IERC-RN você vai encontrar pessoas tristes e desanimadas, muito pelo contrário o clima é sempre positivo, alegre e harmonioso. Todos se mostram solícitos nesse ambiente de grande generosidade e participação. Maria Edivânia dos Santos, 33 anos, trabalha habilmente manejando os canudinhos de papel reciclado na oficina de Arte. Tímida ela fica um pouco sem graça ao saber que vamos gravar sua voz, mas finalmente acede e concorda em conversar sobre a sua participação no 5º Trekking IERC-RN. Assim como Fernando, ela vai participar pelo segundo ano consecutivo da caminhada e igual a ele está também ansiosa, cheia de boas perspectivas. Maria Edivânia participa das Oficinas de Arte e Educação Física e está no Instituto há 13 anos. Perguntada se prefere Arte ou Educação Física ela diz “prefiro as duas, pois são muito importantes para o corpo e para a mente da pessoa”. Ao lembrar a sua primeira participação na caminhada, no ano passado, Maria Edivânia fala entusiasmada que ganhou muita coisa com a atividade, pois não ligava antes para “a condição física que era fraquinha” diz ela e que quando passou a fazer educação física se sente muito “mais disposta”. A sua grande expectativa para a caminhada de amanhã é “ganhar muitas provas na caminhada” concluiu sem deixar de manipular o artesanato que fazia em nenhum momento enquanto conversávamos.
As oficinas de teatro aperfeiçoaram a jovem Paula Viviane da Silva Gomes, 25 anos, na arte de se expressar. Com as mãos hábeis ela manufatura o artesanato enquanto conversa conosco. Com voz firme nos conta sua história que se pode resumir em uma simples palavra: superação. Há 10 anos que Paula freqüenta o IERC-RN desde quando perdeu a visão na sua adolescência. “Quando perdi minha visão eu fiquei muito triste porque pensei que não ia mais poder estudar”, ela nos diz com uma ponta de tristeza ao relembrar o momento difícil, porém ao continuar falando sobre como chegou ao IERC-RN seu semblante se ilumina dizendo que sentiu “uma felicidade muito grande, porque aqui (no IERC-RN) é meu mundo, aqui tem pessoas iguais a mim e aqui eu faço vários trabalhos, muitos trabalhos, e foi o que me deu vida... o IERC me dá muita coisa, só em eu poder vir pra cá, passar a manhã aqui no Instituto entre pessoas que eu amo e que me amam também, pra mim já é muito. Muita coisa boa!” Aluna das oficinas de arte, teclado, informática teatro, dança e educação física Paula é o próprio retrato da vida do IERC-RN, segundo ela o “teatro é muito bom porque faz agente se sentir livre.” Em relação ao Trekking que vai participar pela primeira vez Paula nos conta sua expectativa que é muito grande e espera que seja muito boa, principalmente “pelos comentários dos colegas que já participaram e que me contaram que é muito bom”, conclui a jovem se despedindo.Dona Maria da Salete Macedo Barreto, 66 anos, é um exemplo de garra e muita experiência de vida. Após a aula na academia ela aceita conversar conosco e revela sua incrível história ao contar que chegou ao IERC-RN no dia 20 de agosto de 1985, após se separar do marido e com um início de depressão por ter ficado sozinha com um filho de 12 anos. Uma amiga “mandada por Deus” a levou ao IERC-RN e desde então Dona Maria da Salete reiniciou sua trajetória de vida. Nesses 25 anos em que freqüenta o Instituto ela já passou por todas as oficinas, além de ter participado da Diretoria, como secretária, vice-tesoureira, vice-presidente e atualmente faz parte do Conselho Fiscal Permanente. Ela nos diz com voz comovida: “adoro isso aqui, aqui é minha segunda casa, aqui todos me consideram uma mãe e eu os considero todos meus filhos, por isso me chamam de ‘Mãe Salete’ e aqui, como se diz, agente não tem luxo, mas tem muito calor humano, muito amor, tanto da parte dos professores, parte dos alunos, eu acho isso aqui uma maravilha.” Ao falar sobre o tempo em que está no Instituto e qual o legado das duas décadas e meia de dedicação e trabalho ela diz: “eu aprendi que a pessoa mesmo sem ver pode ser feliz, pode passar muitas alegrias para os amigos porque ver não é tudo, eu acho assim que no mundo que nós estamos com tantas notícias horríveis na televisão, agente escuta, mas pelo menos tá livre de ver tantas coisas ruins do povo e do mundo.” Atualmente Dona Maria da Salete participa das oficinas de teatro e educação física e ao comentar a sua participação no Trekking, em 2008, ela nos contou que adorou a atividade, mas o que mais a impressionou foi que no final as posições se inverteram, foi colocada nos guias uma venda e os deficientes visuais passaram a guiá-los ensinando-os a como usar uma bengala e a se locomover e “eu dei conta do recado, fiz tudo direitinho” conclui com um riso divertido. Dona Maria da Salete tem uma postura bem crítica em relação à acessibilidade aqui na cidade de Natal. Ela reclama principalmente das calçadas obstruídas pelos carros estacionados e observa que o poder público “deixa muito a desejar, tem muito a fazer, muito a melhorar, as autoridades devem pensar em quem necessita.” Para concluir Dona Maria da Salete, que vai participar do Trekking diz que espera que “seja muito boa a Trilha” e se despede com o seguinte recado: “a única deficiência que existe no mundo é a mental, pois ser deficiente visual ou cadeirante, qualquer outra deficiência que se tenha agente tira de letra e faz como lhe disse, agente levanta a cabeça e vamos tocar o barco pra frente.”

Pedro Marcelino de Lira é um senhor afável, de fala pausada e do alto dos seus 61 anos de vida reflete uma impressionante firmeza e força de vontade. Seu Pedro está no IERC-RN há apenas 2 anos. Era motorista, trabalhava, resolvia todos os seus problemas e de repente se viu na condição de não poder fazer mais as coisas que ele tanto gostava, como dirigir, por exemplo, quando surgiu um problema na sua visão. Procurou o IERC-RN para reabilitar a sua vida, reaprender a viver. Nesses dois anos, o senhor que trabalhava duro viu sua vida mudar completamente, pois até então Seu Pedro não sabia que existiam outros valores na vida. Hoje ele está integrado às atividades e diz que “isso daqui foi uma das maneiras que eu encontrei pra sair..., não quero dizer do fundo do poço, mas do fundo da rede, onde eu estava deprimido, triste, sem querer ver o mundo das sombras, então eu fui vendo que não era por causa de uma deficiência visual que minha vida ia se acabar, pois sempre digo as pessoas lá em casa que estou perdendo a visão, mas não estou perdendo a vida.” Seu Pedro hoje é um homem transformado, descobriu que existe uma “nova forma de administrar” a sua vida, descobriu uma coisa chamada arte, descobriu a informática e encontrou no IERC-RN “tudo aquilo que precisava.” Ele faz oficinas de orientação e mobilidade, linguagem Braille, arte, educação física, “computação”, teatro e já fez até um curso de filmagem, com “tudo isso eu fui vendo que minha vida tinha mudado, mas eu nem posso lhe dizer se foi pra melhor ou pra que foi, pois minha vida continua alegre.” Seu Pedro diz que é um homem disciplinado e que isso ele aprendeu nas oficinas de teatro, informática e educação física. Em relação ao Trekking ele diz que a sua expectativa “é que seja saudável, que mude a maneira de muita gente pensar que um deficiente visual não seria capaz de andar numa trilha, é claro que nós temos nossos limites, mas precisa mudar a mentalidade das pessoas, pois todas as atividades, que eu fiz e que eu faço, aqui, no Instituto, mudem a mentalidade das pessoas que têm visão boa para que vejam um cego como uma pessoa normal.”
Este é o desejo de Seu Pedro e de todos os alunos do Instituto com os quais conversamos. Como Paula e Dona Maria da Salete ele se despede para ir participar da oficina de teatro que, por sinal, já havia começado.
Alegria de viver, participação, saúde e qualidade de vida é o amálgama dessa grande expectativa, de todos do IERC-RN, em relação ao Trekking que acontecerá amanhã. Que mudem as visões, que mudem as mentes das pessoas, mas que fique a certeza de que o mundo dos deficientes visuais, ao contrário do que muitos pensam, não é povoado de sombras e escuridão, mas por essa imensa luz que nesta manhã se derrama pelo bairro do Alecrim. Como disse Dona Maria da Salete “a maior deficiência está na mente das pessoas”, portanto que possamos a partir de agora abrir nossas mentes para poder enxergar a luz que emana dessas pessoas que perderam a visão, mas não perderam a vida.

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